sábado, 12 de julho de 2008

Manifesto Sopofágico

No silêncio da mesmice da mata
Vazia, escura e esculhambada
Urge de uma caldeira escandalosa
De textura venenosa e cítrica
A sopa podre feita de angústias
E vísceras humanas


Para diarréia cerebral
O laxante cósmico
Para que se evacue
Toda a estupidez
Da gente provinciana

Elogio ao cão sem dono.

No seu olhar sereno,
Cintila o brilho da liberdade
Esculpida a chutes,
a pedradas e maledicências.

O cão sem dono,
Andarilho renitente,
Transgressor dos açougues,
A fome, a fome, a fome.

O cão sem dono uiva na frieza da noite,
Expluindo em angústias
No agouro da morte,
A felicidade de ser livre
E o dilema da liberdade.

Poema para matar a saudade

Ó minha terra me esperas de longe
Mas um dia retorno cavalgando saudades
E volto com todo amor recheado de brilho
Esborrando o olhar de felicidade

E se me recebes com meus amigos sorrindo
Eu me transbordo de alegria
Se encurtam as noites e os dias
Com esse pensamento sempre surgindo

E eu de cá sempre erro o caminho
Que transcorro sem parar um momento
Mas recupero o movimento
E torno a te encontrar

Nos meus sonhos e desejos que disperto
Fico eu te reencontrando
Vivendo as horas mas não esquecendo
O que disse do meu retorno certo

Lua Partida ou Partida da Lua

Eis que a linda lua foi embora
Com sua energia negra sobre o teto da casa
Que desabava sobre os abismos abertos sobre o chão de medo

Mas que ela fosse embora
Mas não levasse consigo todo encanto da noite
Todos os meus versos debaixo do braço
E entranhados na sua pele

Minha palavra hoje muda
Meus cânticos de silêncio
Pernoitam agora sem ritmo
Sem o embalo dos teus seios de pedra
E das tuas coxas de labaredas

E que ela fosse embora
Mas não se irrompessem tempestades
Que inundassem de frio os meus braços destruídos

Hoje apenas passo e olho
Como se não fosse nada o que nada foi de fato
Com o olhar liso de parede ela me despe,
Me violenta e humilha num sorriso
Cravando com seus dentes de navalha
O pobre cerne de minha alma dilacerada.

Alçapão

Quando os meus olhos distraídos contemplaram sua beleza
Ferveram-se meus ossos e minha boca salivou desejos
Eis que me aproximo e percebo sua pobre alma ansiosa
Mistura de tempestades de angústias e trovões de medo

E não posso, não quero e nem minto
Que o que sinto só pode ser instinto
Apenas carne que se roçava em minha pele
Com sua cor de sol e um sabor de gilete

Eis que nem mais olho pra não furar minha íris
Em seus espinhos que escondes nas pétalas do seu rosto
E nem a toco mais no meu sono

Pois durmo agora de olhos ligados
Pra não me perder entre os seus descaminhos
E não me achar no seu ventre armado

Fetiche

Nó na língua
Laço molhado no ouvido
Caminhada sedenta de meu nariz em tua pele

Esse desejo de amarrar teus braços
Nas estrelas.

Agradecido

O olhar de cima a baixo
Como quem diminui
Em tom magnético
O que é grande e belo

A atração impossível,
O segredo que aflora
Desejo, instinto.
A vontade inconfessa

Mas há a hora em noite de febre
De beijar o prato cuspido
Em língua de perdão

Nos lábios do morto gélido
Ressurreição do calor vermelho
Pulso do universo sincero.

Manifesto dos Sem Palco

O sem-palco é o pior dos sem-nada
São os sem sonhos, os sem luz,
Tal qual o cantor sem garganta,
O poeta sem tinteiro.

O palco é um banheiro
De onde se canaliza a limpeza diária
Da mente, do riso, da máscara cotidiana.
O sem-palco é o reflexo fiel
Da cultura capitalizada.

Onde o lucro rouba a audiência,
Onde a burrice é a inocência conservada
Mantendo a ignorância bem comportada.
Os sem palco são primos dos sem-gravadora
E primos terceiros dos sem-livro.
E, perambular todos na mesma BR do
Anonimato e lutam todos juntos
Apesar dos seu s orgulhos inatos
Os sem-palco no seu sonhar se esquece
De que palco não é só o que falta.

Mas, lembra que a arte é o ópio que
Não deixa a consciência na ribalta
Educando-se aprende a contentar-se
Com a realidade deturpada ou
A tentar converter a injustiça instalada.
Os sem-palco, mesmo com palco,
Não se esquecerá de cultivar todas as
Mentes férteis de todo de qualquer
Espaço físico.

Todos os sensíveis sabem que é
Urgentemente preciso uma
Reforma Palcária.
É a necessidade maior, a demanda lúdica
De todos os meros bobos da corte.

Dois Pontos

Há entre os dois pontos
Que me invento
Tudo que de fato
Existe de intangível

O fogo úmido molhando
Os olhos secos da
Flor nascente
O colírio do incrível

O que crio
Roubo do firmamento
A cor a tingir
O sonho neutro
O mar do amor
No qual me afogo
Tecem, tocam
As mãos de vento

Há entre os dois pontos
Que me invento
A rima, a soma,
O rio, o riso
Guardados, amadurecendo
Há entre os dois pontos
Que me invento
Até o saber da lua e o poder dos ventos

A explosão da vida
E o silencio do silencio
Tudo isso há entre os dois pontos que me invento

A imagem de meu amor frustrado


A imagem de meu amor frustrado
É bola de fogo em céu de prata
É luz néon rasgando azul
Rubi de cera em noite escura.

Ela foge de mim
Como imã de imã
Em carga mesma
Entrando no meu peito
Feito bicho de pé

O que existe
É carvão de gelo
Poeira parada
Simplesmente
Nada com nada